Conhecimento etnobotânico e etnofarmacológico da comunidade negra de Mazagão Velho, Amapá, Brasil.
Conhecimento Tradiconal. Comunidade Tradicional. Fitoterapia popular. Religiosidade.
A pesquisa teve o objetivo de caracterizar o conhecimento etnobotânico e etnofarmacológico da diversidade da flora local conhecida e utilizada para tratamento de doenças pelos moradores da comunidade negra do Distrito de Mazagão Velho-Amapá. Foram realizadas 107 entrevistas nas unidades domiciliares. A metodologia foi baseada na Antropologia Cultural, com entrevistada estruturada, semiestruturadas e observação participante. Os instrumentos de coleta de dados foram o formulário, o diário de campo, as gravações em áudio e o registro fotográfico. As análises versaram sobre três grupos de variáveis: a socioeconômica, ambiental e étnico-racial, a etnobotânica e a etnofarmacalógica. Foram utilizadas as análises quantitativas: frequência absoluta e relativa, valor de diversidade do informante (VDI), índice de concordância de uso principal (CUP) e potencial medicinal (PM). 96 espécies pertencentes a 39 famílias foram coletadas, herborizadas e identificadas em concordância com literatura especializada e, posteriormente incorporada ao Herbário Amapaense. As famílias botânicas mais representativas foram a Lamiaceae e a Asteraceae. 12 espécies tem uso elevado à moderado pelos moradores: Ruta graveolens L., Aeollanthus suaveolens Mat. Ex. Spreng; Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng., Carapa guianensis Aubl., Mentha × piperita L., Lippia alba (Mill) N. E. Br. Ex. Britton & P. Wilson, Dalbergia monetaria L.f., Citrus limon (L.) Osbeck, Eryngium foetidum L., Brassica oleracea L., Origanum majorana L. e Vernonia condensada Baker. A parte da planta mais citada nas preparações foi a folha. As formas de preparo indicadas foram: decocção, maceração, infusão, in natura e sumo. As formas de uso citadas foram: banho, chá, emplasto, in natura, inalação, lavagem, pomada, preparado, sumo, xarope e consumo da água macerada. 60 afecções distribuídas em 16 diferentes sistemas corporais são tratadas com plantas medicinais. O sistema digestivo foi o que apresentou maior número de doenças, contudo o sistema respiratório obteve as maiores indicações de tratamento com plantas medicinais. Em contrapartida, a fitoterapia popular é pouco utilizada em doenças do sangue, doenças osteomoleculares, transtorno mental e comportamental, entre outras. No que diz respeito aos aspectos socioeconômico e ambiental, a maioria das famílias possuem baixa renda, os membros das famílias apresentam baixa escolaridade. Aposentadorias e trabalhos autônomos são as principais fonte renda. A agricultura e o extrativismo são as atividades produtivas mais expressivas. A localidade é desprovida de serviços de saneamento básico, fato que causa sérios transtornos aos moradores com a proliferação de insetos vetores de doenças. A identidade negra tem como sinal diacrítico de fronteira são as manifestações culturais, tais como as festas de santo da igreja católica, as rodas de marabaixo e batuque e os rituais presentes na festa de São Tiago. Conclui-se que a comunidade conhece e usa uma extensa diversidade de plantas para fins medicinais, entretanto a transmissão desse conhecimento entre a geração adulta e a jovem não tem sido dinâmica, prejudicando de sobremaneira a continuidade desse saber tradicional. Dessa forma, é de extrema relevância registrar esse conhecimento sobre as plantas, pois poderá também subsidiar futuras pesquisas aplicadas, principalmente na área química de produtos naturais.